III – “Um testemunho supõe uma realidade e é o reconhecimento da sua verdade. A falta de adequação do testemunho à realidade, da beleza à verdade da criação, é uma mentira e uma falsidade. Desgarrar a beleza de toda a substância, autonomizando-a, utilizá-la como raio de luz, sem sol de que provenha, é criar uma fantástica realidade irreal, em que tão frequentemente se deleita certo modernismo na arte. Ortega y Gasset classificou esta tendência de desumanização da arte e explicou-a pela simples mudança de perspectiva. As coisas estão, em si mesmas, sujeitas a uma ordem natural, hierarquizadas no todo a que pertencem. Uma arte que destrói essa ordenação e altera essa hierarquia pode criar-se a ilusão de forjar lampejos de beleza porque, tanto a vontade, como a ciência, como a beleza por um acto de rebeldia do orgulho maléfico podem ser instrumentos de tirania, de erro ou de corrupção.
Mas só o respeito pela ordem criada, donde emana a beleza, dá dignidade à arte. A inferiorização do que é mais alto ou a exaltação do que é inferior na estrutura universal redunda numa deformação ou numa rebeldia. A arte é, então, forma a contradizer a deformação, e embelezar o mal.
De todas as artes, a oratória é a mais próxima da vida e talvez por isso a mais perigosa nos seus desvios. O expressionismo da pintura e da escultura afaga sobretudo os sentidos; a música delicia o espírito; a arquitectura faz vibrar a inteligência, mas a palavra a tudo se acomoda tudo cria, actuando sobre o homem em corpo e alma, na sensiblidade e na razão.
A beleza contém graus, pela sua correspondência ao objecto ou tema, e neles se reflecte assim a hierarquia duma ordem. Sem cair na retórica vazia, feita do torpel de palavras sonoras e deslocadas, ou impertinentes e sem sentido, a arte preocupa-se com o adorno da frase, realçando pormenores, prolongando o virtuosismo da cadência do discurso, e amplificando, ao espelhá-lo em imagens, o próprio tema.
Há, porém, um estilo que renuncia a todo o adorno para deixar refulgir na sua limpidez e na sua austera magestade – ia mesmo a dizer, na sua voluntária pobreza –, a grandeza e a magnificência das coisas. É o estilo mais difícil e mais raro. Mas, então, a oratória não rebrilha ou empalidece ao favor das opiniões correntes e não depende da moda nem do tempo, porque consegue captar num momento, o fulgor intemporal da beleza e comunicá-lo tão naturalmente como a superfície dos mares reflecte a luz das estrelas.
O Dr. Correia Pinto, no exórdio da oração fúnebre de Dom Manuel II escreveu avisadamente, quase a apreciar-se a si mesmo, o que eu tenho tentado dizer: “As coisas verdadeiramente grandes não pedem acrescentamentos”.
Era assim o seu estilo. Arte, sem artifício, claridade sem matizados tons, beleza sem atavios. Na oratória sacra, perante a beleza incriada, são os céus a falar: “Coeli enarrant gloriam Dei”.”
Mas só o respeito pela ordem criada, donde emana a beleza, dá dignidade à arte. A inferiorização do que é mais alto ou a exaltação do que é inferior na estrutura universal redunda numa deformação ou numa rebeldia. A arte é, então, forma a contradizer a deformação, e embelezar o mal.
De todas as artes, a oratória é a mais próxima da vida e talvez por isso a mais perigosa nos seus desvios. O expressionismo da pintura e da escultura afaga sobretudo os sentidos; a música delicia o espírito; a arquitectura faz vibrar a inteligência, mas a palavra a tudo se acomoda tudo cria, actuando sobre o homem em corpo e alma, na sensiblidade e na razão.
A beleza contém graus, pela sua correspondência ao objecto ou tema, e neles se reflecte assim a hierarquia duma ordem. Sem cair na retórica vazia, feita do torpel de palavras sonoras e deslocadas, ou impertinentes e sem sentido, a arte preocupa-se com o adorno da frase, realçando pormenores, prolongando o virtuosismo da cadência do discurso, e amplificando, ao espelhá-lo em imagens, o próprio tema.
Há, porém, um estilo que renuncia a todo o adorno para deixar refulgir na sua limpidez e na sua austera magestade – ia mesmo a dizer, na sua voluntária pobreza –, a grandeza e a magnificência das coisas. É o estilo mais difícil e mais raro. Mas, então, a oratória não rebrilha ou empalidece ao favor das opiniões correntes e não depende da moda nem do tempo, porque consegue captar num momento, o fulgor intemporal da beleza e comunicá-lo tão naturalmente como a superfície dos mares reflecte a luz das estrelas.
O Dr. Correia Pinto, no exórdio da oração fúnebre de Dom Manuel II escreveu avisadamente, quase a apreciar-se a si mesmo, o que eu tenho tentado dizer: “As coisas verdadeiramente grandes não pedem acrescentamentos”.
Era assim o seu estilo. Arte, sem artifício, claridade sem matizados tons, beleza sem atavios. Na oratória sacra, perante a beleza incriada, são os céus a falar: “Coeli enarrant gloriam Dei”.”
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