IV – “Na simplicidade da sua vida, na clareza dos seus desígnios, no equilíbrio das sua ideias e na rectidão e serenidade de todos os seus actos, o Cónego Correia Pinto produzia em todos que dele se acercavam profunda impressão. Debalde se procuraria analisar cada um dos motivos, porventura em si mesmos inperceptíveis, que a determinavam. Eram necessariamente diversos, mas creio filiarem-se todos numa forte característica que repassava toda a sua personalidade: a quietação do espírito, consequência do seu descanso em Deus.
Viveu duas épocas psicologicamente diferenciadas. Na sua mocidade contemplou, ainda no seu apogeu, a crença no progresso indefinido, testemunhou à sua volta a confiança infantil dos homens na sua capacidade de demiurgos da história e da técnica. Assistiu às convulsões de duas guerras mindiais. E pôde verificar como à presunção falaz da redenção do homem, como novo Prometeu, por suas mãos, sucedeu a desesperança, de envolta com a “tristeza do século” de que fala S. Paulo. Sentiu alastrar como que um negrume sobre as ilusões dos homens, incapazes de conduzir a história, de garantir a felicidade, de antever o futuro, e como fim, mais do que catástrofes.
E as doutrinas, como os acontecimentos, ao sucederem-se insuspeitadas e vertiginosas, não o perturbaram. A instabilidade na dúvida permanente, a variedade bizarra de opiniões, o desassossego interior instalam-se nos espíritos pusilânimes a vaguear, errantes, pela tentação de se fugirem, na esteira dos acontecimentos, das imagens movediças, dos entusiasmos, das ninharias exaltadas, que se atropelam no mundo em desordem.
O espírito do Cónego Correia Pinto, porém, morava em si mesmo. Assente na firmeza inabalável da esperança, derramava sobre a inquietação do ambiente a tranquilidade dos corações fortes.
Nada de grande lhe era estranho; só nas almas grandes cabe a grandeza das coisas. Mas esse contacto espiritual com a grandeza não se estiolava degenerando, como é tão vulgar, em preciosismo de atitudes ou altanaria.
Era antes motivo e razão de humildade, acolhedora e simples. Humilde, porque consciente da posição do homem como criatura, olhava de frente, sem temor, as coisas grandes, como pertencentes à própria grandeza.
Creio, de resto, haver uma ligação subtil entre a sua humildade e a ironia que, frequentemente polvilhava os seus comentários ou sublinhava as suas apreciações. Alguém classificou já a ironia de humildade natural e, na verdade, a ironia, como leve sorriso, incrédulo mas benevolente, desfaz a presunção e, como graciosa sabedoria, estimula a fraqueza. Reconduz, sem dureza nem afectação, de maneira humilde, e até com a brandura da compreensão, à ordem natural, à harmonia da criação, os desvios dos homens e das coisas.
E a harmonia da criação casava-se no Dr. Correia Pinto com a sua harmonia interior. A harmonia é a ordem sentida sob o signo da beleza. O mesmo espírito dominou, por isso, a obra e a vida do Dr. Correia Pinto.
A beleza e a virtude não perecem com o tempo. A beleza é intemporal, porque refulge, como a verdade absoluta e como o bem supremo, na glória de Deus.
D’além do tempo, o espírito do Cónego Correia Pinto continua a falar-nos.
É ele que nos fala, no fulgor da sua obra e no exemplo da sua vida. É – na expressão dele e tão ao seu estilo – é a morte... “a morte a falar à vida”.”
Manuel Cavaleiro de Ferreira
(Ministro da Justiça de 6 de Setembro de 1944 a 7 de Agosto de 1954)
Viveu duas épocas psicologicamente diferenciadas. Na sua mocidade contemplou, ainda no seu apogeu, a crença no progresso indefinido, testemunhou à sua volta a confiança infantil dos homens na sua capacidade de demiurgos da história e da técnica. Assistiu às convulsões de duas guerras mindiais. E pôde verificar como à presunção falaz da redenção do homem, como novo Prometeu, por suas mãos, sucedeu a desesperança, de envolta com a “tristeza do século” de que fala S. Paulo. Sentiu alastrar como que um negrume sobre as ilusões dos homens, incapazes de conduzir a história, de garantir a felicidade, de antever o futuro, e como fim, mais do que catástrofes.
E as doutrinas, como os acontecimentos, ao sucederem-se insuspeitadas e vertiginosas, não o perturbaram. A instabilidade na dúvida permanente, a variedade bizarra de opiniões, o desassossego interior instalam-se nos espíritos pusilânimes a vaguear, errantes, pela tentação de se fugirem, na esteira dos acontecimentos, das imagens movediças, dos entusiasmos, das ninharias exaltadas, que se atropelam no mundo em desordem.
O espírito do Cónego Correia Pinto, porém, morava em si mesmo. Assente na firmeza inabalável da esperança, derramava sobre a inquietação do ambiente a tranquilidade dos corações fortes.
Nada de grande lhe era estranho; só nas almas grandes cabe a grandeza das coisas. Mas esse contacto espiritual com a grandeza não se estiolava degenerando, como é tão vulgar, em preciosismo de atitudes ou altanaria.
Era antes motivo e razão de humildade, acolhedora e simples. Humilde, porque consciente da posição do homem como criatura, olhava de frente, sem temor, as coisas grandes, como pertencentes à própria grandeza.
Creio, de resto, haver uma ligação subtil entre a sua humildade e a ironia que, frequentemente polvilhava os seus comentários ou sublinhava as suas apreciações. Alguém classificou já a ironia de humildade natural e, na verdade, a ironia, como leve sorriso, incrédulo mas benevolente, desfaz a presunção e, como graciosa sabedoria, estimula a fraqueza. Reconduz, sem dureza nem afectação, de maneira humilde, e até com a brandura da compreensão, à ordem natural, à harmonia da criação, os desvios dos homens e das coisas.
E a harmonia da criação casava-se no Dr. Correia Pinto com a sua harmonia interior. A harmonia é a ordem sentida sob o signo da beleza. O mesmo espírito dominou, por isso, a obra e a vida do Dr. Correia Pinto.
A beleza e a virtude não perecem com o tempo. A beleza é intemporal, porque refulge, como a verdade absoluta e como o bem supremo, na glória de Deus.
D’além do tempo, o espírito do Cónego Correia Pinto continua a falar-nos.
É ele que nos fala, no fulgor da sua obra e no exemplo da sua vida. É – na expressão dele e tão ao seu estilo – é a morte... “a morte a falar à vida”.”
Manuel Cavaleiro de Ferreira
(Ministro da Justiça de 6 de Setembro de 1944 a 7 de Agosto de 1954)
1 comentário:
caldas de arego tão pequeno naoo quer explorar essa para cidade de lamego novos projectos
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