II – “O Cónego Correia Pinto foi um semeador de beleza. A oratória serviu-lhe como uma das formas – a maior – de a exteriorizar.
Semeador de beleza, disse eu. A beleza é como a verdade e o bem um conceito transcendental. A razão não cria a verdade, descobre-a; a vontade não é o bem, procura-o e quere-o; o sentimento não produz a beleza, sente-a e transmite-a.
Só o desmedido orgulho humano se compraz em alterar, não poucas vezes, a realidade das coisas, e enganando-se a si próprio, destrói a objectividade do bem, da beleza e da verdade para, sobre o nada, se forjar na mísera plenitude da sua impotência criadora, uma verdade, se oferecer pelo arbítrio da sua vontade, uma moral, se aureolar duma beleza toda feita de irrealidade.
O nada não é susceptível de ser objecto de pensamento, de vontade ou de sentido estético. A beleza não pertence ao artista; este apenas lhe dá forma, porque previamente a sente e compreende. Esta compreensão, esta correspondência subjectiva à beleza das coisas, constitui, se é lícito exprimir-me assim, um modo especial de conhecimento que nos ajuda a vislumbrar a riqueza de alma que possui.
A verdade e o bem são uma tarefa. A verdade escava-se angustiosamente nas profundidades da incompreensão, com esforço tortuante da inteligência, sem que delas arranque mais que magro quinhão do seu conhecimento; o bem procura-se afanosamente na aspereza do caminho, por entre as fraquezas da vontade e as perplexidades do espírito. Só a beleza se revela e se recebe como que numa comunhão do espírito com a eternidade. Aparece como uma visão e como uma visão se contempla. Semelha assim aquela apreensão directa das coisas que na inteligência humana só surge como um fogo fátuo a bruxulear intermitente e inseguro, – e no entanto é fugaz e fugidia participação no entendimento angélico.
Estranha e misteriosa semelhança esta da inteligência sobrehumana e do modo de apreensão da beleza... Talvez neste mistério esteja a explicação da raridade daqueles a quem se revela no seu esplendor. O Cónego Correia Pinto embebera nela o seu espírito como se o penetrasse uma radiosa projecção da graça de Deus: recebera-a como dom gratuito e como dom a espalhava ao derredor...
Ouvi-o pregar apenas uma vez. Foi nas exéquias solenes celebradas na Sé do Porto quando do falecimento de Sua Santidade o Papa Pio XI. A sua voz, profunda e doce, acordava no auditório plangências de dor, ao evocar a morte, espargindo, por entre dobres a finados, nas naves do templo, a tristeza do fim das coisas para, em seguida, o guiar mansamente, com a alma de joelhos, ao triunfo glorioso sobre a vida e sobre a morte – sobre a vida que é caminho e sobre a morte que é portal de eternidade. E não me surpreendeu. Engrandecia-o apenas, sem o alterar, a magestade do lugar e a elevação do tema. O convívio diário ensinara-me já a atracção da sua inteligência, a penetração da sua comunicabilidade, o encantamento que transmitia, como que transfigurando-as, as coisas que perpassavam pelo seu espírito.
A mesma augusta simplicidade, o mesmo fulgor sereno e forte da verdade, quer no púlpito em cânticos de glória, quer em conversa amena, na narração de elegância discreta, na confidência sobriamente amorável, ou nas palavras ainda palpitantes do sentimento que traduziam ou a cintilar na ironia que criavam.
No Dr. Correia Pinto a arte era, singelamente, o testemunho do seu espírito.”
Semeador de beleza, disse eu. A beleza é como a verdade e o bem um conceito transcendental. A razão não cria a verdade, descobre-a; a vontade não é o bem, procura-o e quere-o; o sentimento não produz a beleza, sente-a e transmite-a.
Só o desmedido orgulho humano se compraz em alterar, não poucas vezes, a realidade das coisas, e enganando-se a si próprio, destrói a objectividade do bem, da beleza e da verdade para, sobre o nada, se forjar na mísera plenitude da sua impotência criadora, uma verdade, se oferecer pelo arbítrio da sua vontade, uma moral, se aureolar duma beleza toda feita de irrealidade.
O nada não é susceptível de ser objecto de pensamento, de vontade ou de sentido estético. A beleza não pertence ao artista; este apenas lhe dá forma, porque previamente a sente e compreende. Esta compreensão, esta correspondência subjectiva à beleza das coisas, constitui, se é lícito exprimir-me assim, um modo especial de conhecimento que nos ajuda a vislumbrar a riqueza de alma que possui.
A verdade e o bem são uma tarefa. A verdade escava-se angustiosamente nas profundidades da incompreensão, com esforço tortuante da inteligência, sem que delas arranque mais que magro quinhão do seu conhecimento; o bem procura-se afanosamente na aspereza do caminho, por entre as fraquezas da vontade e as perplexidades do espírito. Só a beleza se revela e se recebe como que numa comunhão do espírito com a eternidade. Aparece como uma visão e como uma visão se contempla. Semelha assim aquela apreensão directa das coisas que na inteligência humana só surge como um fogo fátuo a bruxulear intermitente e inseguro, – e no entanto é fugaz e fugidia participação no entendimento angélico.
Estranha e misteriosa semelhança esta da inteligência sobrehumana e do modo de apreensão da beleza... Talvez neste mistério esteja a explicação da raridade daqueles a quem se revela no seu esplendor. O Cónego Correia Pinto embebera nela o seu espírito como se o penetrasse uma radiosa projecção da graça de Deus: recebera-a como dom gratuito e como dom a espalhava ao derredor...
Ouvi-o pregar apenas uma vez. Foi nas exéquias solenes celebradas na Sé do Porto quando do falecimento de Sua Santidade o Papa Pio XI. A sua voz, profunda e doce, acordava no auditório plangências de dor, ao evocar a morte, espargindo, por entre dobres a finados, nas naves do templo, a tristeza do fim das coisas para, em seguida, o guiar mansamente, com a alma de joelhos, ao triunfo glorioso sobre a vida e sobre a morte – sobre a vida que é caminho e sobre a morte que é portal de eternidade. E não me surpreendeu. Engrandecia-o apenas, sem o alterar, a magestade do lugar e a elevação do tema. O convívio diário ensinara-me já a atracção da sua inteligência, a penetração da sua comunicabilidade, o encantamento que transmitia, como que transfigurando-as, as coisas que perpassavam pelo seu espírito.
A mesma augusta simplicidade, o mesmo fulgor sereno e forte da verdade, quer no púlpito em cânticos de glória, quer em conversa amena, na narração de elegância discreta, na confidência sobriamente amorável, ou nas palavras ainda palpitantes do sentimento que traduziam ou a cintilar na ironia que criavam.
No Dr. Correia Pinto a arte era, singelamente, o testemunho do seu espírito.”
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